"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar".
(Eduardo Galeano)

A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E O 'ÔNIBUS-VERDE' SEM ROTA DEFINIDA

Talvez a 'onda verde' nem mesmo devesse ser classificada assim,como um impulso monocromático a expressar um bloco de interesses convergentes, exprimíveis por uma plataforma da qual Marina Silva seria a porta-voz. Talvez o voto em Marina tenha sido um voto de ocasião; uma espécie de parada numa loja de conveniência em rodovia de trânsito intenso para tomar um fôlego e retornar à pista depois que o tráfego se ordenar melhor. Misturam-se nesse ambiente, tucanos desiludidos com a campanha que desdenhou FHC; religiosos e moralistas turbinados pela guerra de calúnia contra Dilma Rousseff; jovens avessos ao pragmatismo adotado pelo PT no poder; desiludidos com o teor de corrupção no aparato público que a mídia fraudulenta descreve como uma singularidade petista; descontentes com a política em geral e,claro, ambientalistas de diferentes matizes, desde a progressista até conservacionistas de direita.

Talvez a melhor metáfora para o fenômeno Marina seja a do 'ônibus catch all, no qual cabe de tudo, justamente porque o rumo é indefinido e assim foi preservado pelo tratamento obsequioso da mída ávida por uma candidatura-guincho que fizesse o trabalho pesado de içar Serra ao 2º turno. Quando Marina por um fugaz momento alvejou o tucano no último debate, questionando promessas sociais oportunistas,este sacou a arma e fuzilou: você era uma deles; estava lá quando houve o mensalão". Marina calou-se.

Sem nunca ter dito para onde seguirá seu comboio, Marina encheu a lotação com 20 milhões de votos descontentes com algumas coisas para as quais ela de fato não ofereceu alternativa a negociar num 2º turno, exceto platitudes, do tipo, 'é preciso estratégia'. Se essa avaliação for correta, algumas consequencias se impõem:

a) o apoio de Marina não necessariamente arrasta esses votos ou a maioria deles a lugar algum;

b) uma parte desse eleitorado, com ou sem anuência da ex-ministra, é composta de conservadores de segunda chamada que irão, como sempre foram, engrossar a candidatura à direita no 2ª turno, como fizeram ao apoiar Collor em 1989, por exemplo;

c] deve a candidatura Dilma e a coligação que a apóia, mas sobretudo o PT, adotar um inserção mais aguerrida no debate político para explicitar diferenças turvadas no 1º turno, especialmente aquelas relativas à concepção de democracia e ao papel do Estado;

d] reverter a lógica do 1º turno em que o tema da Democracia foi sequestrado pela mídia demotucana com certa anuência do discurso institucional da candidatura Dilma; ;

e] a mídia demotucana inverteu os termos da equação acusando de autoritário o governo que realizou 74 conferencias nacionais temáticas com a participação de cerca de cinco milhões de pessoas no país.

f] demonstrar que a ampliação da democracia participativa é, de fato, a salvaguarda permanente da sociedade contra o fingimento eleitoreiro; não apenas o 'promessômetro" de Serra, como diz Marina, mas o próprio ideário ambientalista, afrontado ferozmente pela lógica neoliberal e seu anti-estatismo socialmente regressivo e ecologicamente predador.


(Carta Maior; 05-10)

Nenhum comentário: