"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar".
(Eduardo Galeano)

TUDO COMEÇOU... por E.R.L.

Minha vida era normal como todas. Eu tinha meus pais juntos e eles eram felizes até que, um dia minha mãe se separou do meu pai e ela foi embora. Eu fiquei muito triste com aquela cena e eu não podia fazer nada.
Minha mãe foi embora e eu queria ir com ela, mas ela não levou nenhum dos seus filhos. Meu pai quando se separou da minha mãe passou um tempo bebendo que nem um pinguço, mas ele ajeitou uma mulher que era muito chata. Nem eu e nem os meus irmãos gostamos dela. Com o devido tempo, meu pai foi se descuidando de mim e eu arrumei várias brigas na escola sem meus pais saberem. Essas pessoas que eu arrumei briga eram envolvidas no crime.
Todos os dias quando eu estava saindo da escola eles estavam lá fora me esperando para me bater. Foi aí que eu conheci uns caras que também eram envolvidos no crime. Eu comecei a andar com eles e eles tinham várias armas e eu fui começando a andar com arma. Levava para casa sem meu pai saber. Quando meu pai foi perceber, já era tarde e eu já estava cometendo vários crimes. Minha mãe também ficou sabendo o que eu estava fazendo e ela e meu pai chegaram a um acordo. Eles iam me mandar para o Piauí. Eu não queria ir, mas fui.
Chegando lá, eu fiquei agoniado para voltar. Meu tio viu como eu estava agoniado e ele ligou rapidamente para o meu pai pedindo que ele mandasse o dinheiro para eu ir embora. Meu pai mandou o dinheiro.
Quando eu voltei para minha casa, só falei com meus irmãos e meu pai e já fui correndo pegar a arma com os meus colegas. Depois de uma semana que eu tinha voltado do Piauí, eu cometi um crime e logo em seguida eu fui preso. Fui para o CAJE e de lá eu fui para o CESAMI. Fiquei 45 dias e saí de semi liberdade. No mesmo dia que eu cheguei eu já saí fora para minha casa e depois comecei a andar com os meus colegas.
Passou 7 dias e eu fui preso de novo. Eu puxei mais 45 dias no CAJE. Quando eu tava todo alegre e doido pra ir pra rua aprontar mais, fui sentenciado. Fiquei com muita raiva depois que fui sentenciado.
Passei uns 15 dias no CAJE e fui transferido para inaugurar o CIAP. Eu fiquei com mais raiva e comecei a tocar fogo e xingar monitor. Quando eu cheguei no CIAP, duas técnicas me atendia e eu não dava muito certo com elas, mas elas eram gente boa. Elas me davam conselhos, pra ficar quieto pra sair logo desse lugar, mas eu não queria nem saber. Aí que eu atentava mais.
Eu já estava começando a ficar cansado de tanta bagunça e foi aí que eu mudei de técnicos. Veio um homem e uma mulher para me atender. No começo eu não achei certo ser atendido por um homem, mas depois eu fui trocando idéias com ele e vi que ele era gente boa. Ele começou a trabalhar comigo na intenção que eu pudesse mudar de vida e ele fez o que ninguém imaginava. Ele me fez refletir na vida e eu fui começando a conviver calmo, respeitando os monitores e meus colegas. Comecei a mudar meu comportamento. As pessoas daqui de dentro começaram a me olhar com outros olhos, mas quando os técnicos estavam começando a me ajudar a mudar meus pensamentos ruins, eles foram transferidos. Ele para o CIAGO e ela para o CAJE. Novamente vieram mais duas técnicas. Elas estão continuando o trabalho que os meus antigos técnicos estavam fazendo comigo. Elas também me ajudam muito aqui dentro agora.
Eu espero sair daqui e continuar com o pensamento de mudar da Samambaia e ajeitar um emprego, ter uma família, ter filhos e voltar a ter uma vida normal para que possa dar orgulho a minha família porque eu já fiz meus pais sofrerem demais.

Um pouco da minha vida – por A.J. (23/09/09)

Certo dia, quando entrei no banheiro da escola vi dois adolescentes cheirando cocaína. Um deles perguntou se eu queria cheirar e eu falei que não. Eles insistiram tanto que eu acabei cheirando. Foi aí que começou tudo. Com o passar do tempo eu comecei a traficar drogas e por causa dela eu vim parar onde estou hoje, no CIAP.

Por causa dessa droga eu comecei a fazer muita coisa ruim, mas essa internação me fez enxergar o mundo de maneira muito diferente. Enxergar um futuro muito melhor longe das drogas e da violência. Graças à Deus eu já penso em sair daqui só com um objetivo. Construir uma família, terminar meus estudos e falar para a sociedade que eu posso mudar minha vida radicalmente para melhor e ter tudo que eu quero trabalhando muito, sem precisar roubar ou traficar.

Você que está lendo isso agora, eu me arrependo muito de ter cheirado aquela cocaína lá no começo da história, mas a vida ensina por bem ou por mal. Porque estou nessa internação, quando eu peguei meu primeiro saidão, pessoas me julgavam porque estar aqui dentro é estar abaixo deles, mas eu pensei bem e falei que ninguém nasce bandido, ladrão ou traficante. Apenas desconhecem a linha divisória entre o real e o fantástico, criando ilusões, se arriscando no crime.

Quando um menor pega uma arma e vai roubar, é certo que não está estudando ou fazendo alguma coisa de proveito. A sua miséria permite que ele roube para não morrer de fome.

A elite também rouba e nem por isso eles são chamados de bandidos ou ladrões. Pelo contrário, são chamados de "Doutor". Este é meu ponto de vista.

Resultado da leitura da carta de Frei Betto - 15/09/09

A carta de Frei Betto sobre os presos comuns foi um sucesso nas turmas trabalhadas. Os educandos identificaram-se no texto e puderam refletir sobre a condição do presidiário, que não parece ter mudado muito, e também sobre seu futuro e suas possibilidades.
O texto abaixo foi escrito logo após a oficina e é resultado desta reflexão.


Reflexões - por E.R.L.

Em 1992, final de setembro, no hospital, meu choro era motivo de sorriso pra minha mãe. Um sonho lindo, primeiro filho homem. Pra sociedade, um perigo recém nascido, discriminado por ser pobre.

Minha mãe, que trabalhava o mês inteiro por um mísero salário, acreditava nos meus sonhos.

Com apenas 12 anos, que tempo bom, eu fazia vários planos de ter uma família unida, filhos, um trabalho, fazer um curso. Mas com a devida falta de oportunidade, eu não realizei meus sonhos. Acabei cometendo crimes e fui preso. Hoje pago por um erro que cometi e acredito na possibilidade de que quando sair daqui posso voltar a lutar pelos sonhos que tenho desde os 12 anos e que ficaram parados durante todo o tempo em que pago pelos erros que cometi e que jamais saíram dos meus pensamentos.