Penitenciária Regional de Presidente Venceslau, cela 42 do 1º raio, julho, 30/72
Mesmo que o detento saia disposto a trabalhar e jamais retornar ao crime, ele enfrentará aí fora, por causa de seu passado, toda sorte de dificuldades. Por incrível que pareça, não são todas as penitenciárias que permitem ao preso retornar à liberdade de posse de seus documentos de identificação (neste ponto esta aqui é uma exceção). O sujeito sai e poucos dias depois é preso como vadio por uma ronda policial, pois ninguém ignora como é demorado se obter qualquer papel no Brasil. A coisa chega a tal ponto, que conheci vários presos correcionais condenados ao crime porque não conseguiram emprego por falta de documentos e a polícia não lhes fornecia documentos enquanto não provassem que estavam trabalhando. É muito difícil, com a excessiva oferta e o reduzido valor da mão-de-obra no Brasil, um empregador contratar um ex-presidiário. Quando o faz é porque este possui "pistolão", alguém conhecido que se responsabilize por ele. Na Penitenciária de São Paulo, o SENAI fornece diploma sem constar onde foi feito o curso, tantas são as prevenções contra o ex-presidiário. Muitos patrões, quando descobrem o empregado que passou por uma cadeia, tratam de despedi-lo. Foi o caso de José Gilberto, que estava muito bem como funcionário de um famoso clube paulista, até que houve um roubo lá dentro. Incluído na primeira relação de suspeitos, nada foi provado contra ele, mas mesmo assim foi despedido com a clássica frase: "Vá brigar pelos seus direitos na Justiça do Trabalho". Como evitar a revolta e o retorno ao crime de uma pessoa dessas, sobretudo quando não lhe resta outro meio de sobrevivência?
Um preso pode se recuperar na prisão, mas é muito difícil ele ser reassumido pela sociedade. A começar pela própria família. Quantos não são abandonados pela mulher, incapaz de suportar a castidade involuntária? Dentro do sistema penitenciário atual os critérios de recuperação podem ser facilmente burlados. Trabalhar, ter bom comportamento, demonstrar arrependimento, são atitudes que o preso pode assumir com o objetivo de encurtar sua pena e regressar à rua para cometer novos crimes. Por outro lado, ele pode estar realmente recuperado, envergonhado de seu passado, disposto a adaptar-se à engrenagem social, mas ser tido dentro da penitenciária como elementos perigosos e indisciplinado pelo simples fato de evitar conversas com os guardas ou reclamar das condições carcerárias.
Não são muitas as pessoas, entre juristas, juízes e advogados, que consideram aceitáveis para os nossos tempos os sistemas processual, penal e penitenciário brasileiros. Um homem condenado a vinte anos pode estar recuperado na metade da pena, e degenerado no momento em que a lei determina sua volta à liberdade. A falta de verba obriga toda sorte de improvisações no cárcere e impede que sejam criadas condições mínimas de reeducação dos presos. Os regulamentos são arcaicos e só servem para alimentar ressentimentos e ódios. Não há uma pedagogia carcerária definida em diretrizes básicas. O emperramento burocrático é tal que a filosofia predominante é a do "deixe como está para ver como é que fica".
Qual seria, na minha opinião de presidiário, a solução mínima? É quase inútil por remendo novo em pano velho. São as causas sociais do crime que precisam ser atacadas. De nada adianta construir cadeias. Deve-se edificar uma sociedade capaz de erradicar os focos geradores de criminalidade, como a miséria, o analfabetismo, o trabalho mal remunerado, o desnível entre oferta e procura de mão-de-obra, etc. Entretanto, enquanto perdura a longa agonia de nossa decadente sociedade, uma solução mínima para o regime penitenciário exigiria verbas assombrosas e pessoal altamente especializado – se o objetivo for realmente ajudar esses homens aqui a se reeducarem, segundo o padrão social vigente. Isto significa possibilidade de o detento reeducar-se na liberdade, pela eliminação de todos os fatores coibitivos (rompimento de seus bloqueios afetivos, psíquicos, intelectuais e espirituais) e oferecimento de condições par o cultivo e expansão de suas potencialidades humanas. Portanto, soltar o detento na rua não seria a melhor solução mínima. Provavelmente significaria seu retorno aos focos de criminalidade. (...)