"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar".
(Eduardo Galeano)

“Nossa realidade” por M.P.


Eu entendi que a televisão mostra muita ilusão, muitas coisas que a gente pensa que vai transformar nossas vidas em um paraíso, mas na verdade tamos comprando ilusão e com isso fazendo dívidas que não podemos pagar.
Eu que pensei que o Brasil era o melhor país. Não tem terremoto, não tem guerra. Mas me enganei. Nós temos uma guerra por nossos direitos de cidadãos que poucos conseguem ganhar.
A lei é injusta, não para todos mas para muitos. Quantas vezes ouvimos falar que um filho de autoridade, governador, senador ou presidente foi para cadeia e ficou preso? Não ficam porque estão por cima, no poder e não na classe baixa.
Estamos sendo privados de nossos direitos. Mas fazer o quê? Nas escolas não nos ensinam a lidar com essas diferenças sociais e assim nós continuamos por baixo.

Este texto sofreu correções para permitir seu entendimento.

Reunião do Jornal do Mundo ao Avesso


Reunimo-nos para definir quais assuntos entrariam na primeira edição do nosso jornal mural. Os adolescentes fizeram uma lista extensa de assuntos a serem explorados e coletivamente definimos quais seriam as colunas do jornal. A primeira edição ficará assim:

  • Coluna: "Relações interpessoais na unidade".
    Tema: A convivência positiva com as pessoas que acreditam no potencial dos educandos.
  • Coluna: "Notícias do mundo ao avesso"
    Tema: Redução da maioridade penal.
  • Coluna: "Novidades do CIAP"
    Tema: A participação de 13 adolescentes no concurso do metrô.
  • Coluna: "Reflexões"
    Tema: D.H. conta sua história para discutir a eficácia da medida de internação.
  • Coluna: "Reflexões"
    Tema: Reflexões sobre a oficina de leitura.
  • Coluna: "Espaço dos servidores"
    Tema: Ainda em aberto aguardando a colaboração dos servidores da unidade.

Semana de 13 a 17/04

No decorrer da semana que passou as turmas cresceram um pouco. Abri espaço para alguns educandos "curiosos" que vieram conhecer a oficina de perto. A partir da próxima semana iniciarei uma nova turma com quatro educandos.

Com as turmas novas trabalhei os conteúdos trabalhados com as turmas mais antigas. Com os outros, iniciei o capítulo: Curso básico de injustiça. Este capítulo propicia a discussão dos seguintes temas:

  • O consumismo
  • O individualismo
  • O poder manipulativo da TV e da Publicidade
  • A homogeneização cultural X desigualdade social

A discussão dos temas acima propicia a discussão também dos valores a serem construídos para atingirmos um modelo mais justo de sociedade.
É interessante perceber que em alguns grupos, os adolescentes já começaram a se interessar mais pelos noticiários em busca das informações que reforçam os valores e as crenças da sociedade de consumo. Já conseguem perceber o tom manipulativo dos jornais televisivos ao anunciarem algumas notícias. Considero este fato altamente positivo e indicativo do sucesso da oficina. Eles começam a sentirem-se especiais por dominarem um novo conhecimento, por começarem a entender o mundo ao avesso e suas implicações na vida de cada um.

"O caminho a seguir" por D.H.

Devemos observar que a melhor maneira de um possível re-socialização seria o conjunto da informação, educação e oportunidades. Há muitos com um grande potencial, com diversos talentos que podem estar ocultos, esperando uma chance para vir à tona. A maioria procura obter a realização dos objetivos, mas com métodos errados e se transformam em vilões. A estatística do crime fala que ele evolui cada vez mais. Na verdade não é o crime que aumenta, são as oportunidades que diminuem com a falta de ensino para muitos. A informação é pouca para o contexto da sociedade que vivemos. Podemos vencer essas dificuldades, ultrapassar esses obstáculos, esquecer o passado e lutar por um futuro promissor.

Ponto de vista de E. e D.H.

Realmente o mundo em que vivemos está completamente ao avesso! Cheio de desigualdade racial e social, atingindo completamente a maior parte da população. Onde quem faz as leis fazem em próprio benefício. Patrocina os contrabandos, tráfico de armas e de drogas ilícitas, gerando cada vez mais nossa destruição (violência, desrespeito e pobreza). Assim crescem cada vez mais à custa da desgraça de seu próximo.

Assistimos diariamente nos jornais ao aumento da corrupção e da pobreza. Esses índices não representam nada, nem a metade da metade do que realmente acontece no país e no mundo. Mesmo assim a mídia, sem que percebamos, instiga o consumismo, comprometendo, claro, os mais pobres porque o salário miserável que ganham acaba voltando para as mãos dos próprios capitalistas.

Realmente, todo o sistema é nada mais nada menos do que "lobos em peles de carneiros". São que nem parasitas que sugam seu hospedeiro até a morte proliferando seu ciclo.

O mundo em que vivemos hoje é de precariedade. A maior parte da população pobre, principalmente s crianças que são nosso futuro.

As crianças desde cedo são "envenenadas" pela televisão e na maioria das vezes acabam perdendo sua infância. As crianças ricas perdem sua liberdade, acabam criando medo da sociedade onde convivem que é de violência, assaltos, drogas. Já as crianças pobres começam a trabalhar muito cedo e na maioria das vezes são exploradas com serviços pesados e até sem ganhar dinheiro. Os meninos pobres acabam sendo destinados ao crime para que não passem fome e as meninas se prostituem, vendem seu corpo por muito pouco.

O mundo que queremos, ou melhor, o mundo que sonhamos, desejamos todos os dias é o da igualdade e oportunidade para todos, aonde não houvese pobreza para ninguém, onde as crianças não fossem exploradas ao invés de estudarem.

O mundo que queremos é onde seríamos tratados com gente. Gente eu sei que somos, mas gente decente. Queríamos viver contentes e felizes, queria que no mundo não houvesse classe alta, média ou baixa. Que todos fôssemos iguais, assim talvez diminuiria a violência e a prostituição.

O mundo que queremos por R.

O mundo que queremos é aquele com igualdade social e racial, amor,amizade com direitos humanos para diferentes classe sociais. A humanidade sem terrorismo, sem guerras, sem medo. O mundo onde pessoas são solidárias umas com as outras.Onde a fome não mata ou faça os jovens se envolverem com o crime.

Onde crianças não parem de estudar para ajudarem seus pais no trabalho. O mundo sem discriminação de qualquer tipo,onde pessoas possam ver as notícias e não se supriendam mais se mostrem solidárias.

Percebo que não só as autoridades tem obrigações com as pessoa, mas as pessoas tem obrigações com elas mesmo.O que eu posso fazer?

A minha parte como pessoa qual seria? Hoje me encontro em uma situação não muito agradável, internado no centro de internação social CIAP. Posso dizer que minha parte estou fazendo. Aos 19 anos sou pai e estou garantindo o futuro do meu filho. Hoje reintegrado fiz do que muitas pessoas diria o fim da linha começo de uma nova vida, abracei o mundo que vivo transformando dificuldades em solução,o tempo que poderia se disperdiçado é reutilizado em estudo,tornando um homem mais preparado para o mundo que vivo, com as oficinas de profissionalização me sinto mais preparado para o mercado de trabalho,concluindo os cursos e estudos posso fazer um pouco mais para mudar esta realidade.Agora posso dizer que não faço muito mas um pouco que cada um faz já poderia ser suficiente para o mundo. É fácil reparar nos erros dos outros e reclamar do mundo. É dever de todos ajudar.

Dando exemplo de esperança e superação, transmitindo o pouco conhecimento que tenho, talveis só um em cada cinco seja este exemplo mas já é alguma coisa, faça sua parte seja você um mendigo ou o presidente. Faça sua parte para o mundo que queremos.


Este texto foi redigido pelo educando R. e algumas correções foram realizadas com intuito de permitir o entendimento.

Nem Direitos Nem Humanos

Há mais de meio século as Nações Unidas aprovaram a Declaração Universal dos Direitos do Homem, e não há documento internacional mais citado e elogiado.

Não é criticar por criticar: nessa altura, parece-me evidente que à Declaração falta muito mais do que aquilo que tem. Por exemplo, ali não figura o mais elementar dos direitos, o direito de respirar, que se tornou impraticável neste mundo onde os pássaros tossem. Nem figura o direito de caminhar, que já passou à categoria de façanha, ao remanescerem apenas duas classes de caminhantes, os ligeiros e os mortos. E tampouco figura o direito à indignação, que é o menos que a dignidade humana pode exigir quando condenada a ser indigna; e nem o direito de lutar por outro mundo possível, ao tornar-se impossível o mundo tal qual é.

Nos trinta artigos da Declaração, a palavra liberdade é a que mais se repete. A liberdade de trabalhar, receber salário justo e fundar sindicatos, para exemplificar, está garantida no artigo 23. Mas são cada vez mais numerosos os trabalhadores que, hoje em dia, não têm sequer a liberdade de escolher o tempero com que serão devorados. Os empregos duram menos do que um suspiro, e o medo obriga a calar e obedecer: salários mais baixos, horários mais dilatados, e lá para as calendas vão as férias pagas, a aposentadoria, a assistência social e demais direitos que todos temos, conforme asseguram os artigos 22, 24 e 25. As instituições financeiras internacionais, as Meninas Superpoderosas do mundo contemporâneo, impõem a "flexibilização da legislação trabalhista", eufemismo que designa o sepultamento de dois séculos de conquistas operárias. E as grandes empresas internacionais exigem acordos union free, livre de sindicatos, nos países que competem entre si para oferecer mão-de-obra submissa e barata. "Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão", adverte o artigo 4. Menos mal.

Não figura na lista o direito humano de desfrutar os bens naturais, terra, água, ar, e de defendê-los contra qualquer ameaça. Tampouco figura o direito suicida de exterminar a natureza, exercitado com entusiasmo pelos países que compraram o planeta e estão a devorá-lo. Os demais países pagam a conta. Num mundo que tem o costume de condenar as vítimas, a natureza leva a culpa dos crimes que contra ela são cometidos.

"Toda pessoa tem o direito de circular livremente", afirma o artigo 13. Circular, sim. Entrar, não. As portas dos países ricos se fecham nos narizes de milhões de fugitivos que peregrinam do sul para o norte, e do leste para oeste, fugindo das lavouras aniquiladas, dos rios envenenados, das florestas arrasadas, dos mercados despóticos e dos salários nanicos. Uns quantos morrem na tentativa, mas outros conseguem se esgueirar por baixo da porta. E lá dentro, na terra prometida, eles são os menos livres e os menos iguais.

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, diz o artigo 1. Que nasçam, vá lá, mas poucos minutos depois já se faz o reparte. O artigo 28 estabelece que "todos temos direito a uma justa ordem social e internacional". As mesmas Nações Unidas nos informam, em suas estatísticas, que quanto mais progride o progresso, menos justo se torna. A partilha dos pães e dos peixes é muito mais injusta nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha do que em Bangladesh ou em Ruanda. E na ordem internacional, os numerozinhos das Nações Unidas também revelam que dez pessoas possuem mais riqueza do que toda a riqueza produzida por 54 países juntos. Dois terços da humanidade sobrevivem com menos de dois dólares diários, e a distância entre os que têm e os que precisam triplicou desde a assinatura da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Cresce a desigualdade e para salvaguardá-la crescem os gastos militares. Obscenas fortunas alimentam a febre guerreira e promovem a invenção de demônios para justificá-la. O artigo 11 nos garante que toda pessoa é inocente enquanto não se prove o contrário. Do jeito que vão as coisas, daqui a pouco será culpada de terrorismo qualquer pessoa que não caminhe de joelhos, ainda que se prove o contrário.

A economia de guerra multiplica a prosperidade dos prósperos e cumpre funções de intimidação e castigo. Ao mesmo tempo, irradia sobre o mundo uma cultura militar que sacraliza a violência exercida contra aquela gente "diferente", que o racismo reduz à categoria de subgente. Ninguém poderá ser discriminado por seu sexo, raça, religião ou qualquer outra condição, adverte o artigo2, mas as novas superproduções de Hollywood, ditadas pelo Pentágono para glorificar as aventuras imperiais, pregam um racismo clamoroso que herda as piores tradições do cinema. E não só do cinema. Há poucos dias, por acaso, caiu em minhas mãos uma revista das Nações Unidas, de novembro de 86, edição em inglês do Correio da UNESCO. Ali fiquei sabendo que um antigo cosmógrafo escrevera que os indígenas das Américas tinham pele azul e a cabeça quadrada. Chamava-se, acredite-se ou não, John of Holywood.

Eduardo Galeano

Em tempo...

Não poderia deixar de agradecer aqui ao meu colega Marcos Rodrigues, que enxergou em mim um potencial que eu não havia percebido, que sugeriu e me incentivou a criar um projeto pedagógico. Aos novos amigos Letícia, Wesley e Lisianny que me aguentam falar o tempo todo sobre este mesmo assunto e sempre me incentivaram.
Obrigada Wesley por ter "fritado o cérebro" junto comigo e ter me ajudado a escrever este projeto.
Agradeço também todas as pessoas que acreditaram no potencial da oficina e me deram apoio. Obrigada especialmente ao Lauro, diretor da unidade, pela oportunidade e apoio.
Agradecimento especial à Mafá, meu companheiro, meu norte. Você me estimula e me enriquece sempre.

Novo planejamento

 A partir da próxima semana nosso cronograma será contemplado na grade geral e ficaremos com os adolescentes divididos em cinco grupos. Destes grupos, dois serão contemplados com oficina duas vezes por semana. Os critérios utilizados para a escolha foram a assiduidade, interesse e número de integrantes. O atendimento da oficina foi estendido à 22 adolescentes.
O registro do planejamento da semana será publicado previamente e as publicações específicas sobre o desenvolvimento do conteúdo nos grupos serão publicadas cronologicamente com o desenrolar das oficinas.
Com a expansão do atendimento da oficina e o preenchimento da grade da escola, não conseguirei atender todos os grupos em virtude das adaptações ao novo horário. Houve também a inclusão de novos educandos aos grupos e em razão disto, decidi fazer uma revisão rápida do conteúdo desenvolvido para situar os novos participantes.

CONTEÚDO DA SEMANA:
  • Síntese do capitalismo. 
  • Conceito de Mais Valia.
  • Ideologia capitalista.
  • O papel do Estado dentro da estrutura econômica vigente.
  • As crises cíclicas do sistema.



Novas resoluções - 03/04/09

Depois de assistir a aula do ilustre professor Antonio Carlos Gomes da Costa e devorar seus livros "Aventura Pedagógica" e "Pedagogia da Presença", várias idéias começaram a criar forma em minha mente. Fiquei encantada com as palavras do professor. Elas me trouxeram a certeza de trilhar o caminho certo e o embasamento para praticar os conceitos discutidos na oficina. Decidi criar minha própria aventura pedagógica utilizando algumas idéias do professor.
Resolvi propor a criação de um jornal mural que terá como objetivo principal a socialização do conhecimento e dos assuntos discutidos na oficina. Entendo que é necessário agregar as pessoas em função do objetivo maior que é a sócio-educação dos jovens da unidade. O espaço do jornal será democrático, dando oportunidade a todos os servidores e educandos de se manifestarem. Esperamos conseguir com isto um espaço para debater questões internas ou mesmo externas à instituição. Estaremos abertos às críticas e sugestões, porém será vedado o anonimato.
Hoje também firmamos um pacto de comprometimento e conduta. A partir de agora, os conflitos, angústias, reivindicações dos educandos serão discutidos em assembléia com a direção e técnicos. 
Estamos acabando de fechar a grade horária da oficina para atingir o objetivo de nos encontrarmos duas vezes por semana. Foram incluídos outros adolescentes no projeto ampliando o atendimento da oficina para 20 adolescentes.

3º encontro - 28/03/09

O primeiro grupo com que trabalhei hoje estava bem desanimado. Chegaram mais capisbaixos e dispersos. Nenhum deles escreveu o texto recomendado. Reclamavam estarem cansados da "prisão", gostariam de estar na rua. Reclamaram também da instituição. Conversamos a respeito de suas angústias e logo partimos para o início das atividades. Assistimos um filme cujo tema era a trajetória dos Direitos Humanos, produzido pela SEDH. Discutimos a importância dos movimentos populares e da conscientização política e histórica para que jamais aceitemos um retrocesso nas conquistas sociais. O encontro foi morno e um pouco frustrante para mim.
Pessoalmente, eu também não estava muito animada. Também não havia feito um bom planejamento da dinâmica do encontro e me deixei contagiar pelo desânimo coletivo.
O grupo  é formado por quatro adolescentes do mesmo núcleo de convivência. Demonstram interesse pelos assuntos debatidos, participam das discussões mas, acredito ainda não terem encontrado um sentido na atividade. Não conseguem vislumbrar  o conhecimento como instrumento transformador. Se mostram mais imediatistas. Um desafio a mais.

O segundo grupo reúne nove adolescentes de três núcleos diferentes com a predominância dos adolescentes mais antigos na unidade. Este grupo reúne jovens que já estavam vivendo um processo de reflexão e criação de projetos futuros mais "realistas" e consistentes. Um prazer imenso tenho em trabalhar com eles. Sempre muito concentrados, participativos, interessados e muito inteligentes. Pediram para trabalhar o texto coletivamente e acabaram dividindo-se em duplas.
Iniciamos o encontro com a leitura dos textos. Sucesso total. Leitura, aplausos, comentários... Assistimos também o filme anteriormente citado e começamos a debater a política, os políticos e suas motivações. Partidos polítcos, ideologia, ética foram os assuntos trazidos ao debate pelos socioeducandos. Como sempre, finalizamos a oficina já com vontade de iniciar a próxima. O melhor de tudo é que este é um desejo coletivo.